sexta-feira, junho 29, 2007

Corrupto? Eu?!

Entendendo o Brasil

Numa tarde de sexta-feira, recebi um telefonema de um amigo me convidando
para ir a um churrasco na sua casa. Acontece que na naquela noite eu tinha
que dar aula na faculdade.

O problema é que eu queria ir ao churrasco, mas como?

Bem, eu agi como, geralmente, todos nós agimos: fiz de conta que estava
cumprindo com a minha obrigação quando, na verdade, satisfiz o meu prazer.
O churrasco começava às oito da noite e a aula às sete e meia.
Fui à faculdade, registrei a aula, fiz a chamada e inventei uma aula de
leitura na biblioteca, abandonando a turma.

Saí para o churrasco querendo acreditar que cumprira meu dever de professor.

No churrasco, fiquei numa mesa com o dono da casa, que é médico, o amigo que
estava sendo homenageado, que é policial, um amigo do homenageado que é
advogado e político e a sua esposa que é universitária e estuda no período
da noite.

O assunto era um só: a roubalheira dos nossos políticos e a passividade da
sociedade (todos nós) mediante a podridão do episódio do mensalão.

Todos estávamos revoltados e propondo soluções para o melhor funcionamento
da máquina pública e para o resgate da ética entre a classe
política.

Num dado momento, o telefone do dono da casa tocou e ele se afastou para
atender.

Retornando, disse com raiva: “Não dá pra trabalhar com certas pessoas”.

Naquela noite, ele estava de plantão no hospital, mas chegou lá cedo,
visitou alguns pacientes e leu “por cima”, os prontuários.

Depois foi para casa e deixou como recomendação: “só me liguem em caso de
extrema emergência ou se aparecerem pacientes particulares”.
Estava aborrecido porque a enfermeira lhe telefonara só porque chegou um
sexagenário com suspeita de infarto.

Ele “receitou” medicamentos pelo telefone e disse que a enfermeira só devia
ligar de novo se acontecesse algo grave.

Para aliviar o clima, perguntei ao amigo que estava sendo homenageado se já
havia feito a sua mudança de casa.

Ele respondeu que sim e, que isso não tinha lhe custado nada, pois o dono da
transportadora lhe havia retribuído ‘”um favor”: meses antes, ele tinha
“resolvido” uns probleminhas de multas nos seus carros que poderiam lhe
custar a habilitação e, até mesmo, a sua empresa!

Aí, a esposa do político liga para uma colega que também fazia mestrado para
saber se ela tinha respondido à chamada por ela enquanto ela estava no
churrasco, pois ela já estava “pendurada nas faltas” nessa disciplina e não
poderia ser reprovada. E, feliz, sorriu com a resposta da colega: dera tudo
certo.

Em um outro momento, o anfitrião pergunta ao político como iria ficar o caso
de uma certa pessoa..

E ele respondeu que tudo estava indo bem, o problema era que na secretaria
almejada já havia alguém concursado ocupando o cargo que tal pessoa
pleiteava. Mas que ele não se preocupasse, pois estavam estudando uma medida
legal (?) para transferir o “dito cujo” de função ou de setor para a vaga
“do fulano” ser ocupada por ele. “Ele é um que não pode ficar de fora, pois
foi comprometido com a gente até o fim”,finalizou.

Em meio a tudo isso, não deixávamos de falar das CPI’s, da corrupção dos
políticos e da cumplicidade da sociedade que, apática, não movia uma palha
para mudar nada. Chegando em casa fui pensar naquela noite e em tudo o que
havia presenciado.

De repente, me lembrei do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que diz:

“nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as
camadas da sociedade e que esse negócio de dizer que as elites são corruptas
mas que o povo é honesto é conversa fiada.

Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos
um comportamento pouco recomendável”.

O melhor era que eu não precisava fazer qualquer pesquisa para concordar com
o escritor.

A sua afirmação estava magistralmente retratada no meu comportamento e no
comportamento dos meus amigos naquela noite e naquele churrasco que eu havia
freqüentado. Para começar, eu, como professor, roubei o povo ao fingir que
estava dando aula.

E estou surrupiando (roubando) a sociedade quando marco os tão conhecidos
seminários só para não dar aulas, com a mentira disfarçada de que os alunos
precisam treinar a arte de expressar bem as suas idéias.
Isso pelo fato dessa afirmação não ser verdade, mas parte de uma verdade
maior.

É lógico que os alunos precisam treinar a arte de bem expressar as suas
idéias, mas só depois de serem conduzidos pelo professor que, por sinal, é
pago para fazer isso.

A verdade inteira é que, quase sempre por motivos pessoais, o professor
acaba transformando o que seria uma, de várias técnicas de ensino, em sua
prática regular de ensino e o resultado é uma enorme massa de estudantes
“transfigurados”, da noite para o dia, em professores dos professores que
deviam ensinar, mas não ensinam.
E o que dizer do dono da festa, o médico que estava “tirando plantão” e que,
ganhando o seu salário, reclamou de ser incomodado, apenas porque um senhor
de idade estava com suspeita de infarto?

Somos tão convictos de que somos bons, que o médico chegou a dizer que, se
ao menos o ancião tivesse sido diagnosticado por um profissional, então ele
se sentiria na obrigação de ir atendê-lo.

Ele só esqueceu de um detalhe: se o plantonista do hospital que, por sinal
era ele, estivesse cumprindo o seu plantão, o senhor de 64 anos de idade,
casado, pai de seis filhos, aposentado e que trabalhava desde os doze anos
de idade e contribuía com a previdência há trinta, talvez tivesse sido
atendido por um profissional e não tivesse sofrido um derrame cerebral.

É interessante vermos, também, o caso da universitária, a defensora dos
valores morais.

E, aqui eu pergunto: que valores seriam esses?

O famoso jeitinho brasileiro que, não custa lembrar, só virou instituição
nacional, porque nós lhe damos vida com as nossas atitudes!

Acredito que, mais uma vez, o Brasil passa por uma oportunidade de ouro para
rever-se como país e sair crescido e melhorado de toda essa crise.

O grande problema está nas pessoas.

Em mim, em você, nas nossas famílias, colegas, amigos e inimigos, parentes e
aderentes.

Se quisermos realmente uma nação melhor temos que assumir que nós também
somos recebedores do mensalão e que, portanto, cada um de nós também é
merecedor de sentar nas cadeiras da CPI.
Recebemos o mensalão quando fazemos coisas como as descritas acima, e também
quando copiamos ou compramos CD’s piratas, quando pagamos propinas ao guarda
de trânsito para ele não nos aplicar multa, enfim, todos nós,
cada um a seu modo e com o seu preço, também é culpado, pessoalmente, por
tudo isso que está acontecendo no nosso país.

É bom não esquecer que nossos políticos não vieram de Marte, mas do nosso
meio, corrompidos por nós, corruptos e corruptores.

O real motivo para a sociedade assistir apática a toda essa decadência não é
apatia, mas cumplicidade.
E você meu caro amigo que acabou de ler isto, pense mas pense bem…



Texto retirado do sistema de comentários do Blog "Largados em Guarapari" , comentário do "Jagunço" (nick).