quinta-feira, novembro 22, 2007

Are you "Hand's on"?

"Vi um anúncio de emprego. A vaga era de Gestor de Atendimento Interno, nome
que agora se dá à Seção de Serviços Gerais. E a empresa exigia que os
interessados possuíssem - sem contar a formação superior - liderança,
criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em
inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem HANDS ON. Para o felizardo
que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía essa variada gama
de habilidades, o salário era de 800 reais. Ou seja, nenhuma fábula...
Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Ao contrário, é quase o
paradigma dos anúncios de emprego. A abundância de candidatos permite que
as empresas levantem cada vez mais a altura da barra que o postulante terá
de saltar para ser admitido.
E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da
super-qualificação, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...
Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão
bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora
de atendimento interno.. E um de seus primeiros clientes fosse o seu
Borges, Gerente da Contabilidade.
Seu Borges: -- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.
Fabiana: -- In a hurry!
Seu Borges: -- Ãh??!!
Fabiana: -- Seu Borges, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho
fluência em inglês. Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige
fluência em inglês se aqui só se fala português?
Seu Borges: -- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?
Fabiana: -- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu
tenho profundos conhecimentos de informática.
Seu Borges: -- Não, não.. Cópias normais mesmo.
Fabiana: -- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha
criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando
eliminar 30% das cópias que tiramos.
Seu Borges: -- Fabiana, desse jeito não vai Dar!
Fabiana: -- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.
Seu Borges: -- Como assim???
Fabiana: -- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E
considero isso um desperdício do meu potencial energético.
Seu Borges: -- Olha, neste momento, eu só preciso das três cópias.
Fabiana: -- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...
Seu Borges: -- Futuro? Que futuro?
Fabiana: -- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e
ainda não aconteceu nada.
Seu Borges: -- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu
nada!
Fabiana: -- Sei. Mas o senhor é hands on?
Seu Borges: -- Hã?
Fabiana: -- Hands on....Mão na massa.
Seu Borges: -- Claro que sou!
Fabiana: -- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu
vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram
quando eu fui contratada.

Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:
1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não
têm as qualificações requeridas.
2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos
porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão
usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.

Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo
prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo
preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.
Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um
montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível
que um visitante desavisado confundiria nossa salinha do café com a
Fundação Alfred Nobel.
Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas!
Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas fábricas
e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do
advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o
Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês,
tinha informática e energia e criatividade e estava fazendo
pós-graduação..... só que não sabia nem abrir o capô. Duas horas depois,
quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o manual do
proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para horror de todos, ele
falava "nóis vai" e coisas do gênero. Mas, em 2 minutos, para espanto
geral, botou a van para funcionar. Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora
feliz da vida.
Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as
Empresas modernas torcem o nariz:

O QUE É CAPAZ DE RESOLVER, MAS NÃO DE IMPRESSIONAR ."




Max Gehringer

Colunista da Revista EXAME